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Benefícios e principais desafios do Novo Marco Legal do Saneamento Básico

Nos últimos dois meses, uma série de boas notícias assinalou o início dos acontecimentos que devem ocorrer com a vigência do Novo Marco Legal do Saneamento Básico. Um deles foi a disputa pelos serviços de água e esgoto da região metropolitana de Maceió (AL), vencida pela empresa BRK pelo valor de outorga de mais de R$ 2 bilhões.

Não foi somente o montante oferecido pela concorrente vencedora que surpreendeu positivamente o mercado. A licitação — cujo valor mínimo estabelecido era de R$ 15 milhões — contou com três outras importantes ofertas acima de R$ 1 bilhão, além da participação de um total de sete organizações, inclusive competidores de peso, como a SABESP (que ficou em segundo lugar), a Iguá e a Aegea.

Também no Nordeste, desta vez no Ceará, presenciamos um importante passo para criação de projetos, construção e operação da primeira grande usina de dessalinização de água do mar no Brasil. O novo sistema, que deve gerar um mil litros cúbicos por segundo de água potável, vai beneficiar cerca de 720 mil pessoas. Quatro consórcios, todos formados por empresas diferentes das que concorreram na licitação realizada em Alagoas, participam da concorrência pública do tipo menor valor da contraprestação, sob modelagem de parceria público-privada (PPP), de acordo com edital da CAGECE (Companhia de Água e Esgoto do Ceará).

Outro bom motivo para comemorar é o sucesso do leilão da parceria público-privada de esgoto nos municípios de Cariacica e Viana (ES), realizado no último dia 20. Dentre os sete concorrentes, o vencedor foi a Aegea, que ofertou um desconto de 38,12% sobre o valor da tarifa de esgoto estabelecido no edital publicado pela Companhia Espírito Santense de Saneamento (CESAN), seguido pelo consórcio Allonda, que propôs um desconto de 33,12%. O projeto prevê levar a rede de esgoto a 95% da população, e deve beneficiar 423 mil pessoas com coleta e tratamento de esgoto. Hoje, apenas 48,3% dos habitantes da região contam com o serviço.

Saneamento Básico: uma questão histórica

O sucesso dos projetos mencionados traz otimismo para empresas privadas do setor que enxergam grandes oportunidades na nova legislação, e traz esperança para a solução de problemas graves que acometem milhões de brasileiros há décadas. Hoje, de acordo com dados de 2018 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 16% dos brasileiros não contam com abastecimento de água; 46% vivem sem coleta de esgoto; e 54% não possuem tratamento de esgoto.

Não é de hoje que se discute e que se tenta resolver a prestação de serviços de saneamento básico no Brasil, setor de extrema relevância social. A criação de companhias estaduais de saneamento, que agregam um conjunto grande de municípios especialmente nas principais regiões metropolitanas brasileiras, foi uma tentativa de organizar a complexidade inerente à captação de água e ao descarte de esgoto, serviços nem sempre realizados dentro de um mesmo município em função das características naturais das bacias hidrográficas.

Outro esforço para se resolver o assunto foi a aprovação da Lei nº 11.445/2007 (Lei do Saneamento), também responsável por estabelecer diretrizes nacionais para a universalização do saneamento básico. Houve evolução, mas grande parte do que era esperado não aconteceu. Os percentuais baixos de tratamento de esgoto são um dos indícios de que os objetivos dessa legislação, à época vista como promissora, não se concretizaram.

Um avanço interessante ocorreu com a Lei nº 11079/2004 (Lei de PPP), que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parcerias público-privadas. As companhias estaduais passaram a promover parcerias, por meio de contratos de concessão patrocinada ou administrativa, em que o setor privado se responsabiliza por uma parte da prestação dos serviços.

Municípios autônomos e fora de regiões metropolitanas também se beneficiaram com processos de concessão. O primeiro deles foi Limeira (SP), ainda na década de 1990. Outros exemplos bem-sucedidos são Passa Quatro (SP) e uma subconcessão de Teresina (PI).

Metas intermediárias, indicadores e penalizações

Sancionada em 15 julho, a Lei Nº 14.026/2020, que atualizou o Marco Legal do Saneamento Básico, tem como principal objetivo universalizar os serviços de abastecimento de água potável, coleta de esgoto e manejo de resíduos sólidos até o prazo de 2033. Seus grandes pontos positivos são: exigência de processos concorrenciais para os novos contratos, definição de metas claras e tangíveis, criação de indicadores econômicos e financeiros para avaliar se as companhias estaduais têm ou não condições de executar os investimentos necessários, penalizações em caso de descumprimento de determinados critérios e regionalização (potencializar ganhos de escala e garantir que municípios menos lucrativos sejam também atendidos).

Esse conjunto de metas intermediárias claras e de cronogramas de monitoramento terão a função de incentivar a eficiência operacional e administrativa das empresas estaduais, bem como garantir a execução dos investimentos necessários para a universalização. Caso essas companhias não tenham condições de operar para o alcance dos objetivos propostos, terão que mudar a forma de prestação de serviços por meio de privatizações, PPPs ou concessões comuns para o setor privado.

Há alguns desafios grandes nessa jornada, como a provisão dos serviços para municípios mais pobres, que hoje são atendidos com subsídios cruzados provenientes das regiões metropolitanas. Mas a aposta é que o aumento da eficiência operacional, os investimentos que devem acontecer com a maior participação privada e a regionalização da prestação do serviço, sejam suficientes para equacionar a situação.

O Novo Marco Legal do Saneamento é alvo de algumas críticas, mas o fato é que se não houver uma tentativa de melhorias e de universalização, a realidade nunca vai mudar. O grande mérito da nova legislação, além das já mencionadas, é que ela permite a continuidade da participação pública, desde que haja eficiência operacional e administrativa, ao mesmo tempo em que potencializa o setor privado para investir e trazer eficiência operacional. Se tudo der certo, os maiores beneficiados serão a economia e a população brasileira.

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